O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes derrubou nesta segunda-feira, 15, o sigilo dos áudios do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) gravados clandestinamente em 2020 pelo agora pré-candidato do PL à prefeitura do Rio, Alexandre Ramagem, então diretor-geral da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) e hoje deputado federal. A Polícia Federal periciou os áudios, que revelam detalhes de reunião ocorrida em agosto de 2020, entre Bolsonaro, Ramagem, o então ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), general Augusto Heleno, e duas advogadas do senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), Luciana Pires e Juliana Bierrenbach.
Em meio ao encontro que discutiu "caminhos" para a defesa de Flávio no inquérito sobre "rachadinha", apropriação de parte de salários de funcionários de seu gabinete na Assembleia Legislativa do Rio, e a estratégia para barrar investigações de auditores da Receita Federal que levaram às informações centrais para enquadrar o parlamentar, o ex-presidente afirmou que era "o caso de conversar com o chefe da Receita". "Ninguém tá pedindo favor aqui. É o caso conversar com o chefe da Receita. O Tostes (José Barroso Tostes Neto)."
O teor da conversa indica, segundo a PF, que Bolsonaro e Ramagem planejaram uma forma de tentar impedir a investigação sobre Flávio, envolvendo sua atuação como deputado estadual. A gravação da reunião faz parte dos autos da Operação Última Milha, que investiga o uso da estrutura da Abin no governo passado para o monitoramento ilegal de pessoas e a disseminação de desinformação e fake news. Moraes afirmou que alvos da quarta fase da Operação Última Milha pediram acesso aos autos - o que inclui a gravação. Nessa linha, o ministro do STF alertou que uma divulgação parcial e até mesmo uma manipulação do áudio "têm potencial de geração de inúmeras notícias incompletas ou fraudulentas em prejuízo à correta informação à sociedade".
A quarta fase cumpriu cinco mandados de prisão preventiva na última quinta-feira, 11. Foi com base nesse argumento que Moraes retirou o sigilo da gravação. Na conversa revelada pela quebra de sigilo, o então presidente sugere falar com chefes da Receita Federal e da Dataprev sobre investigação do caso da "rachadinha", envolvendo Flávio. Em outro trecho, Bolsonaro demonstra preocupação com espionagem dentro do próprio governo. "A gente nunca sabe se estão gravando."
Queiroz
Após a divulgação do áudio, o assessor e advogado de Bolsonaro, Fabio Wajngarten, saiu em defesa do ex-presidente, dizendo que a conversa "só reforça o quanto o presidente ama o Brasil e o seu povo". Ramagem disse que Bolsonaro sabia da gravação.
O encontro ocorreu um mês depois da prisão de Fabrício Queiroz, ex-assessor de Flávio, no escritório do advogado Frederick Wassef, em Atibaia (SP).
Na reunião, que durou uma hora e oito minutos, Bolsonaro também propôs uma conversa com "Canuto". Ele diz que ele seria do Serviço Federal de Processamento de Dados (Serpro), aparentemente em uma confusão com a Dataprev, onde o ex-ministro Gustavo Canuto estava alocado. "Era ministro meu e foi pra lá. Sem problema nenhum. Sem problema nenhum conversar com ele. Vai ter problema nenhum conversar com o Canuto", afirmou, em referência ao ex-ministro. Uma das advogadas de Flávio concordou: "Com um clique. Olha, em tese, com um clique você consegue saber se um funcionário da Receita esses acessos lá".
As advogadas reclamam dos procedimentos da Receita Federal, acusam ter havido irregularidades nas ações internas de apuração sobre o caso e pedem ajuda de órgãos do governo para conseguir provas contra os auditores. Elas sugerem uma atuação do GSI no caso.
Procurado, Flávio disse que nunca teve contato com integrantes da Abin. Ele atacou o atual governo: "O grupo especial de Lula na Polícia Federal ataca novamente. Fui vítima de criminosos que acessaram ilegalmente meus dados sigilosos na Receita Federal", afirmou. O pronunciamento foi dado após a PF apontar ter encontrado 0 áudio de Bolsonaro com Ramagem.
Na reunião, eles também conversam sobre a Operação Furna da Onça, que implica Flávio e outros políticos. A operação, de novembro de 2018, foi um desdobramento da Lava Jato no Rio, e investigava a participação de deputados estaduais em esquema de lavagem de dinheiro, corrupção e loteamento de cargos.
Pedido
Na reunião gravada, o ex-presidente afirmou que o então governador do Rio, Wilson Witzel, tentou negociar uma vaga no Supremo em troca de "resolver" a investigação que mirava Flávio. Wiltzel sofreu impeachment em 2020, pouco depois da conversa com Bolsonaro, por crime de responsabilidade na gestão de contratos da Saúde durante a pandemia. Seu vice, Cláudio Castro, assumiu o cargo e, em seguida, foi reeleito.
"No ano passado, no meio do ano, encontrei com o Witzel, não tive notícia bem pequenininho o problema. Ele falou, resolve o caso do Flávio. Me dá uma vaga no Supremo", relatou Bolsonaro no encontro.
Ramagem é pré-candidato do PL à prefeitura da capital fluminense O ex-presidente teria se irritado com ele, após a informação de que a PF encontrou um áudio da reunião em 2020. Aliados indicam que o fato pode levar a uma troca do nome do indicado para concorrer este ano.
Ramagem diz que ex-presidente sabia de gravação
O deputado federal Alexandre Ramagem (PL-RJ) afirmou ontem que o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) sabia que foi gravado durante a reunião em que foi discutido um plano para anular a investigação do caso das rachadinhas, na qual o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) era investigado.
"Primeiro que essa gravação não foi clandestina. Havia o aval e o conhecimento do presidente", afirmou Ramagem. " Quando o presidente se manifestou, informou que não queria favorecimento", disse em vídeo nas redes sociais.
Advogado do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), Fabio Wajngarten afirmou que o teor do áudio não tem nenhum elemento comprometedor. Ele destacou um trecho da gravação para defender o ex-chefe do Executivo federal. "Aos 47'05'' da tal gravação (Bolsonaro afirma): 'E, deixar bem claro, a gente nunca sabe se alguém tá gravando alguma coisa. Que não estamos procurando o favorecimento de ninguém'." Vamos para a próxima", completou.
O senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) negou manter qualquer tipo de relacionamento com integrantes da Agência Brasileira de Inteligência. Os outros citados não foram localizados.